terça-feira, 15 de setembro de 2009

Colapso do Lehman foi como estar no 'meio da fogueira', conta brasileira

A gaúcha Aline Almeida conta que o clima entre os funcionários do Lehman Brothers era o de uma família, mas quando a instituição financeira pediu concordata, no dia 15 de setembro de 2008, ''era como voltar para casa, para sua família, e descobrir que sua casa não estava mais lá, que ela havia pegado fogo''.

''É algo que vai estar em todos os livros de história. E eu estava lá no meio da fogueira'', recorda Aline, que, à época do colapso estava há dois anos no banco, onde atuava como assessora jurídica.

De uma hora para a outra, conta Aline, o clima ''família'' que existia na instituição de 158 anos deu lugar a sentimentos como ''raiva, tristeza, medo, incerteza e confusão''. ''Todas as emoções do livrinho de terapia estavam lá'', recorda.

Aline recebeu a notícia do pedido concordata quando estava na Broadway, no dia que antecedeu ao anúncio oficial. Ela assistia a um espetáculo ao lado do filho, enquanto trocava mensagens por celular com seus colegas.

''Era domingo à noite, e nós nos perguntávamos: 'Vão ou não pedir concordata? Sim ou não?' Daqui a pouco, me mandam uma mensagem dizendo: 'já era para nós'.'' A notícia, ainda que aguardada, deixou-a desconcertada. E logo ela descobriria que outros estavam ainda mais consternados, ao passar por acaso em frente à sede do Lehman Brothers.

''O teatro ficava perto do Lehman. Quando saí da Broadway, sem querer, passei em frente ao prédio. Vi gente entrando e saindo com caixas na mão. O pessoal estava com medo de que não poderia passar lá no dia seguinte para pegar seus pertences. Era bobagem, mas nessa hora, a lógica não funciona.'' Confusão O sentimento que prevalecia entre todos, conta Aline, era de confusão. Não se sabia ao certo qual seria o destino dos funcionários.

E muitos daqueles cujo visto de permanência nos Estados Unidos estava ligado ao emprego no Lehman temiam que não poderiam mais permanecer nos Estados Unidos. Por sorte, não era esse o caso dela, que já contava com um green card.

Em breve, muitos funcionários, como a própria Aline, descobririam que o futuro deles, ainda que provisoriamente, estaria ligado ao banco Barclays, que no dia 16 de setembro de 2008 adquiriu um pedaço do Lehman, por US$ 1,75 bilhão.

''Estávamos aguardando instruções. Eu trabalhava no (setor) jurídico e 75% do jurídico foi para o Barclays. Mas o jurídico do Lehman era muito maior que o do Barclays'', o que, segundo ela, já deixava a todos meio que temerosos sobre o que se passaria nos próximos meses.

Já antecipando que em breve cada um deles seguiria rumos distintos, Aline e seus colegas procuravam passar o máximo de tempo juntos.

''Fizemos amizades muito fortes. Haviam tirado a casa da família, mas a família querer ficar junto. Por isso, logo depois do período de concordata, saíamos para beber depois do trabalho todos os dias, porque tínhamos medo de perder contato.'' Raiva Além do temor de se distanciar dos amigos, havia também raiva e frustração, dirigida, em boa parte contra o ex-presidente do Lehman, Dick Fuld, e contra o governo americano, que não quis socorrer o banco, ao contrário do que fez com outras instituições financeiras.

''O pessoal culpou muito o Dick Fuld, diziam que ele estava otimista em excesso, que não acreditava que isso fosse acontecer. Obviamente, houve falta de responsabilidade. Dick deveria ter pedido ajuda. Ele foi muito orgulhoso. Mas ele era apaixonado por aquela empresa, ele queria porque queria salvá-la.'' ''Ele deixou para muito tarde para tomar as medidas necessárias e acabou que não havia mais tempo. Mas acho que o governo também poderia ter ajudado mais.'' Ela conta que esse período serviu também como um aprendizado para ela e muitos colegas.

''Me lembro de um colega que ficou lá comigo, no tempo em que estávamos aguardando para saber de nosso futuro. Um dia ele disse: 'São quatro da tarde, e estou indo para casa. Tenho uma filha de cinco anos, e hoje, pela primeira vez, vou colocá-la para dormir'. A gente acaba com a vida, os amigos ficam de lado, a família fica de lado. A gente vive em função dessa casa que um dia pode despencar, como despencou.'' Em breve, a nova casa de Aline também iria despencar, quando ela acabou dispensada pelos novos proprietários do jurídico do Lehman, um mês e meio após a aquisição do setor pelo Barclays.

''Eles não poderiam absorver todos os funcionários, já sabíamos disso. Fui para a Europa, fiquei um mês. E, em seguida, já tinha que ir para o Brasil, para passar Natal e Réveillon. Assim que voltei, na mesma semana, consegui um emprego de assessora jurídica temporário, na (companhia de investimentos) AllianceBernstein. Mas eles promoveram cortes em março, e, no final do mês, eu já estava desempregada de novo.'' Encontro Depois disso, ela ficou seis meses sem trabalho e teve de apertar o cinto.

''O mercado estava muito difícil nessa época, entre março e agosto deste ano. Cortei a academia, alguns canais da TV por assinatura, e, como tinha um dinheirinho guardado, que juntei com o que recebi do seguro-desemprego, fui levando. Brasileiro tem essa vantagem, a gente aprende a dar um jeitinho. Se não tem carne, come galinha. Se não tem galinha, vira vegetariano. Brasileiro é criado para economizar.'' Por sorte, a despeito dos sacrifícios dessa fase, ela não teve de abrir mão de um dos bens que considera mais valiosos, seu apartamento de três quartos no Lower East Side de Manhattan.

Desde o mês passado, Aline encontrou novo emprego em outro banco da cidade.

Ela segue em contato com os vários amigos que fez no Lehman e vai se juntar aos ex-colegas nesta terça-feira, para marcar o primeiro ano do colapso do banco com alguns drinques.

''O local é um bar que costumávamos chamar de Sala de Conferências número 8, porque no Lehman só havia sete salas de conferência. Todo mundo vai estar lá, aquilo ali vai lotar.''


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